sexta-feira, 3 de abril de 2009

Lembrando - Velório no interior

Estava buscando aqui na minha memória (até que ela não está tão ruim) um momento da minha vida onde eu tenha rido e chorado... Ou seja, um momento triste, mas que por algo em particular eu acabei rindo.
Lembrei então do enterro do meu Vô Quincas, mas antes eu preciso explicar algumas coisas. Meu vô morreu com 94, muito bem vividos obrigada, estava com mal de Parkinson e Alzheimer, com dificuldade para andar, falar, comer, essas coisas básicas à sobrevivência decente de um ser humano. E como ele sempre foi muito ativo vê-lo nessas condições foi um bocado chocante. Ele era um homem muito elegante, sempre de chapéu, mas que retirava no momento em que colocava o pé dentro de casa, andava de calça social e mangas de camisa como o povo dizia sandálias de couro que me lembravam aquelas da ortopé que usávamos no maternal. Sério e engraçado em sua seriedade, contava piada e causos, mas só quem ria éramos nós, quem olhasse para ele pensaria que ele estava passando uma receita, essa característica era uma das que eu mais gostava e é a que me fez rir durante seu velório.
Quando ele faleceu era um quarta-feira de manhã, eu estava na faculdade, recebi a ligação da minha mãe, ela já estava vindo me buscar para irmos pra Monteiro, cidade a 360km do Recife que já fica na Paraíba. Velório em cidade de interior é uma das coisas mais intrigantes, pelo menos para mim. Nunca havia estado em um por isso quando cheguei, já de tarde, estranhei a presença de pessoas desconhecidas na nossa sala de estar. Minha mãe sempre disse que não queria ver os pais mortos por isso fomos até a entrada lateral que dá para a sala de jantar e ficamos na sala da TV, nesse sentido ela antecede a sala de estar onde estava ocorrendo o velório. Nesta sala estavam presentes algumas pessoas amigas dos meus avós logo com idade correspondentes à média da idade deles, e foi por conta de uma dessas pessoas que ri ao mesmo tempo em que chorava.
Uma senhora encontrava-se em pé, em frente ai sofá onde eu e minha mãe estávamos sentadas, de cara inchada de tanto chorar, conversávamos potoca. Até o momento que esta senhora, Dona Terezinha de Seu Elizeu, começou a falar da sua saúde que segundo ela era de boa qualidade e ela, aos 70 anos, ainda tinha força física para fazer feira, assistir à missa em pé, além de uma flexibilidade que dava inveja a seus netos, foi nesse momento que esta senhora resolveu nos dar uma demonstração para que não restasse dúvidas quanto à veracidade da informação que nos dava.
Não adianta eu contar porque não terá tanta graça quanto teve para quem assistia à cena durante o velório. Ela se posicionou no meio da sala, vários senhorinhos e senhorinhas ao seu redor, juntou as pernas alinhadas e retas, elevou os braços aos céus, e curvou-se mantendo os braços retos até encostar com as palmas da mãos no chão à frente de seus pés. Sim, diante dos familiares de um senhor falecido esta senhora comprovou que ela estava muito bem de saúde! Olhei para minha mãe, que incrédula assistia a cena ao meu lado. Pedimos licença, fomos até a cozinha e rimos escondidas, para que minhas tias e minha vó não se sentissem ofendidas. O velório continuou pela madrugada e no dia seguinte pela manhã ouve o enterro. Permanecemos mais uns dias na casa dos meus avós, e durante uma conversa mais animada resolvemos contar o ocorrido. Minha vó ficou chocada, indignada e deve ter dito que Dona Terezinha não regulava muito bem, já eu, minha mãe e minhas tias rimos até a barriga doer, e ainda recebemos queixa por não termos mostrado a cena para ninguém. E pensamos, todas, na cara do meu avô se ele estivesse vivo para ver a cena e qual teria sido o comentário sarcástico que ele faria, mas que nós, somente nós, riríamos...

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